Por Carlos Laerte
Com a riqueza concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias tradicionais, até o início dos anos 1990, Curaçá, no sertão baiano, é um exemplo vivo do município, que em menos de três décadas, inverteu o pêndulo do protagonismo econômico regional, substituindo as antigas elites por um empreendedorismo que diversifica as atividades produtivas, transforma pequenos negócios em grandes oportunidades e pessoas da ‘roça, os caatingueiros’ em empresários de sucesso.
Gente como Lourdinha Pires, que aprendeu ainda adolescente, em meio as dificuldades da vida na Caatinga, a enfrentar e contornar os obstáculos da cidade. Curaçá, paus trançados em Tupi-guarani, hoje conta com 35.065 mil habitantes e uma economia baseada no comércio, agricultura, caprinovinocultura mineração e transferências públicas. Na época que Lourdinha chegou da roça, sobrava disposição para crescer profissionalmente, mas faltava colocação no limitado mercado de trabalho. Aí, o jeito foi improvisar com o que tinha em mãos, e Lourdinha fez de tudo um pouco. Aos 12 anos, já ajudava a montar barraca na feira, depois passou a vender dindin, garrafinha e pastel nos quatro cantos da cidade, e aos 15, começou seu primeiro emprego em um supermercado, onde deu início a um ousado e desafiador projeto: ser dona do seu próprio negócio.
Até consolidar uma trajetória empresarial, que inclui um patrimônio considerável de seis óticas nos municípios de Curaçá, Juazeiro, Sobradinho, Casa Nova, Lagoa Grande e Uauá, e mais inúmeros investimentos imobiliários na região, Lourdinha Pires trabalhou ainda como empregada em várias empresas, juntou as economias e com ajuda financeira da família montou sua primeira loja. Nem mesmo um acidente, que a deixou em uma cadeira de rodas, por oito meses, tirou o ânimo e a disposição de seguir em frente. “Este foi o tempo necessário para entender que o medo da morte aumenta a fé e que um empreendedor tem que ter objetivos claros e metas com prazos definidos”, ressaltou a vice-presidente da CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas de Curaçá, que ocupou a presidência da entidade, entre os anos 2006 e 2012.
Determinação empreendedora
Homem de mãos calejadas pela dura lida nas ressequidas terras do sertão, Armando do Nascimento, é outro exemplo da determinação empreendedora curaçaense. Empresário bem-sucedido nos segmentos de construção civil e imobiliário, ele iniciou no comércio aos 25 anos, após deixar um emprego no serviço público e aplicar o dinheiro da rescisão em uma pequena fábrica de pré-moldados, que não demorou muito, e logo se tornou conhecida como o melhor fabricante de blocos de cimento, calha e lajotas da região.
Seguindo o crescimento do município, com a chegada de investimentos em vários segmentos produtivos e a força da distribuição de renda que faz girar a economia, o pequeno empreendedor viu na grande procura por cimento uma outra oportunidade de negócios. Ai, por esse tempo, as atividades da fábrica que eram divididas com um irmão, deram lugar à contratação de sete funcionários. Com o aumento das vendas de cimento e o surgimento de novos clientes interessados em reformar e construir, Armando não teve outra saída senão inaugurar em 1998 a loja Armando Material de Construção.
Atualmente com 220 metros quadrados e a perspectiva de dobrar essa área até o próximo mês de dezembro, a loja do Armando emprega 12 funcionários e vai contratar mais gente ainda para receber os clientes em um moderno showroom, no padrão somente visto em grandes centros urbanos do país. Investindo forte também na aquisição de terrenos e construção de casas e apartamentos para alugar, o empresário contabiliza, nos últimos 12 anos, a entrega de 15 empreendimentos e tem mais 10 imóveis em fase de conclusão. E, completando o leque de atividades, Armando mantém ainda uma pequena frota de caminhões, fazendo o transporte de frutas e verduras para diversas partes do país. “Eu sempre acordei cedo e trabalhei com vontade, acreditando que o pequeno pode ser grande e ajudar a sua comunidade. Curaçá é nossa fonte de inspiração e tem espaço para todo mundo crescer junto”, pontuou.
Salgados e doces
Outro exemplo que veio da área de sequeiro, cresceu na adversidade e venceu na força de vontade é a empresária Edisiene Ferreira dos Santos. Aos 13 anos incompletos, ela chegou à cidade sem dinheiro, amigos importantes ou qualquer recurso. Trazia na mala apenas uma muda de roupa e os conhecimentos que aprendeu com a mãe na confecção de salgados e doces. Não demorou muito, e a menina catingueira e de sorriso fácil foi fazendo amigos por onde passava. Em qualquer rua, beco ou esquina de Curaçá, não havia um só morador que não conhecesse os pastéis, pãezinhos e as coxinhas de Edisiene. E para completar o sucesso do comércio de porta em porta, que contou com a colaboração do pai, ela fez um curso promovido pela prefeitura, aprendeu a fazer pizza, alugou um ponto na principal avenida da cidade e abriu seu primeiro empreendimento com direito a publicidade em carro de som.
A pizzaria logo caiu no gosto popular e o negócio, de vento em popa, virou uma unanimidade pela fartura dos pratos e a riqueza dos sabores: calabresa, frango e mussarela. Mas tinha um problema: o espaço era ínfimo para as pretensões de crescimento da pequena empresária que pensava alto. Então, Edisiene transformou o obstáculo em solução e colocou em prática o projeto há muito sonhado, apostando tudo na sua intuição. Depois de conseguir um empréstimo bancário, comprou um ponto de esquina na mesma avenida e deu início a um dos principais empreendimentos do segmento alimentício da cidade: a pizzaria Donna Ana & Grill. A empresa quando foi inaugurada, há oito anos, tinha seis funcionários e uma agenda de atendimentos que incluía serviços de buffet para aniversários, formaturas e casamentos. Hoje, com 10 colaboradores na folha e a contratação de diaristas em eventos especiais, o empreendimento se prepara para inaugurar, em dezembro próximo, o mais novo e completo espaço para festas da cidade, com o conforto e a sofisticação dos mais requintados buffets do país. Com a mesma simplicidade do início da história, a empresária conclui reafirmando que as conquistas são resultado da conjunção de esforços e do conjunto de arranjos que coloca na mesma balança fatores como a força de vontade, o foco nos objetivos, o crédito e a renda, imprescindíveis em todas as etapas do processo. “Tudo isso temperado com coragem, fé, criatividade e a alegria de viver em Curaçá, a terra onde os pequenos negócios trançados se transformam em empreendimento1s de grande repercussão coletiva”, frisou.
Ensolarado sertão
O administrador de empresas e gerente regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Cointeiro, concorda com a afirmativa e acrescenta que o município hoje é uma referência estadual em empreendedorismo de pequenos negócios. “Celeiro de inúmeras iniciativas de desenvolvimento econômico e social, Curaçá vem dando provas de inclusão produtiva e sustentabilidade com histórias inspiradoras”, evidenciou. Cointeiro lembrou ainda, que o município busca constantemente ajuda de especialistas, além de reunir um bom capital humano e um razoável nível de inovação em um ambiente favorável aos negócios.
Boa parte do conjunto de elementos, a que se refere o gerente do Sebrae, está na própria infraestrutura urbana, nos atrativos naturais e manifestações culturais que atraem os olhares turísticos e movimentam a economia do município nesses tempos de retomada do crescimento pós epidemia da Covid – 19. Banhado pelo Rio São Francisco e agraciado com um poético pôr do sol em uma das ilhas mais bonitas do Vale, Curaçá recebe visitantes praticamente todos os meses do ano. É gente que vem saber um pouco mais sobre as ararinhas-azuis, conhecer a Missa do Vaqueiro, a Serenata, a Marujada, provar um vinho feito na terra ou simplesmente fazer uma foto em frente ao Teatro Raul Coelho e renovar a fé na romaria da gruta de Patamuté.
A comunhão e a integração desse acervo com a rede de comércio e de serviços, de onde evoluíram Lourdinha, Armando e Edisiene, fez surgir também talentos outros a exemplo de Vitor, um dos pioneiros na modalidade dos restaurantes de bode assado; Murilo, que escreveu seu nome no ramo automotivo e Bernardino, significativo expoente da rede hoteleira, postos de combustíveis e supermercado. Todos eles, oriundos do meio rural e mecanismos da mesma engrenagem que faz girar a economia a partir da distribuição de renda. Histórias de sucesso e superação, nascidas e amadurecidas sob o mesmo ensolarado sertão, e que hoje são exemplos de desenvolvimento e perseverança para as novas gerações.